quarta-feira, 12 de agosto de 2009

TRAGÉDIAS PROVOCAM DEBATE SOBRE A SEGURANÇA DO TRABALHO NA ITÁLIA


Elisabetta PovoledoEm Turim (Itália)
Um telefone tocou de manhã bem cedo, em 6 de dezembro de 2007, no portão da usina siderúrgica ThyssenKrupp, em Turim. Um segurança, Claudio Perrotta, atendeu."Eu ouvi uma pessoa gritando", depôs Perrotta em um tribunal de Turim algumas semanas atrás. Um incêndio havia irrompido uma das linhas de produção e estava saindo rapidamente de controle. Embora ambulâncias e o corpo de bombeiros tenham sido chamados, vários trabalhadores morreram devido aos ferimentos que sofreram durante o incêndio, um acidente que abalou o país. Na Itália, que há muito apresenta um dos piores quadros de segurança do trabalho na Europa, tais fatalidades são conhecidas como "mortes brancas" porque muitas vezes não é possível determinar a responsabilidade direta por elas. Mas tragédias recentes como a do incêndio na aciaria fizeram com que a questão passasse a ter prioridade na consciência pública e geraram apelos por mudanças.Herald Espenhahn, diretor da divisão italiana da ThyssenKrupp, foi a julgamento em janeiro por homicídio culposo - na primeira vez na Itália em que um acidente industrial resultou em uma acusação tão séria. Cinco outros gerentes da ThyssenKrupp estão sendo julgados devido à acusação de homicídio. A ThyssenKrupp negou todas as acusações. Quando três trabalhadores morreram como resultado de um acidente industrial em uma refinaria de petróleo na Sardenha no mês passado, o acidente virou manchete de primeira página na maioria dos jornais nacionais, que atualmente publicam um quadro com as mortes no local de trabalho, de maneira similar àquela como países em guerra fazem listas dos mortos no campo de batalha. Segundo o "La Republica", um jornal diário de Roma, neste ano já morreram mais de 450 pessoas em acidentes de trabalho.Acredita-se que haverá novas discussões sobre o assunto neste mês, quando as comissões parlamentares começam a discutir as mudanças, propostas pela coalizão conservadora do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, em um decreto legislativo de 2008 sobre segurança do trabalho, que incorporou diversas diretrizes da União Europeia. Essa lei, que endureceu as sanções criminais e administrativas, foi aprovada durante o clima de exaltação que se seguiu ao acidente na ThyssenKrupp e a sua redação envolveu o governo (em vários níveis administrativos), líderes empresariais e sindicatos. Em março último, no entanto, o governo apresentou dezenas de emendas - unilateralmente, de acordo com os críticos. A mais polêmica delas prevê a redução das sanções para os empresários e a instituição de um limite para as suas responsabilidades. Uma outra proposta transferiria o ônus dos controles e certificações para as inspeções realizadas conjuntamente por sindicatos e proprietários. Atualmente isso fica a cargo de agências governamentais. Organizações trabalhistas e parlamentares oposicionistas reclamam de que os direitos e a saúde dos trabalhadores estão sendo sacrificados para que se atendam os interesses econômicos. "O governo escolheu reduzir os deveres e as responsabilidades dos empregadores, favorecendo a competitividade e a redução dos custos, em detrimento da segurança dos trabalhadores", afirma Paola Agnello Modica, que é responsável pelas questões de saúde e segurança no maior sindicato italiano, a Confederazione Italiana del Lavoro, ou GCIL. "Achamos que isso não aprimora a lei existente, e que a iniciativa não passa de uma contra-reforma".Autoridades do Ministério do Trabalho dizem que o projeto de lei é um trabalho em andamento, e que as revisões levarão as críticas em consideração. "Partindo do princípio de que não é possível reduzir acidentes apenas porque existe uma lei, achamos que este é um bom começo", afirma Lorenzo Pantini, especialista em segurança do trabalho no ministério. "As emendas têm como único objetivo corrigir alguns problemas práticos de uma lei muito complicada".De 1995 a 2005, a Itália, a quarta maior economia da Europa, registrou um índice médio de acidentes fatais no trabalho, excluindo os acidentes de trânsito fora do setor de transporte, de 3,4 por 100 mil indivíduos empregados, segundo números da agência de estatística Eurostat. Durante aquele período os índices registrados nas três maiores economias do bloco europeu foram de 2,4 na Alemanha, 1,5 no Reino Unido e 3,2 na França. O índice comparável no Japão em 2002 foi de 2,6. Nos Estados Unidos, o índice foi de 3,8 por 100 mil em 2007, embora ele tenha incluído todas as mortes no trânsito vinculadas ao trabalho.Mesmo assim, os números da União Europeia revelam que os acidentes fatais na Itália caíram para cerca da metade do índice de 1995, e que o índice geral não é muito superior ao do resto do bloco. Mas Birgit Muller, porta-voz da Agência Europeia de Segurança e Saúde no Trabalho, observa que, apesar das tentativas de padronizar as estatísticas, é difícil fazer comparações entre países devido às diferenças nos sistemas e padrões de divulgações dos dados. Sindicatos e associações de segurança do trabalho na Itália alegam que os números nacionais não levam em conta o vasto mercado de trabalho clandestino ou os trabalhadores imigrantes da Itália, que podem não constar nos registros. Eles também argumentam que a redução dos números reflete a crise industrial e o crescimento do desemprego, e não a melhoria das condições de trabalho."Em outros países os números estão caindo mais rapidamente do que na Itália, e isso indica que há uma diferença cultural", diz Sandro Giovanelli, diretor-geral da Anmil, uma associação que representa trabalhadores feridos em acidentes de trabalho. "Aqui a tendência é colocar a economia à frente da segurança. Os empresários se dedicam mais a manter empregos do que em garantir a segurança dos trabalhadores, e isto é uma questão de maturidade cultural".Embora a legislação de segurança ocupacional esteja bastante padronizada em toda a Europa, colocá-la em prática é bem diferente. "A lei existe, ela é rígida, mas há situações nas quais os empregadores não a aplicam", afirma Vincenzo Cupelli, professor de medicina de saúde ocupacional da Universidade de Florença. O controle é também insuficiente, especialmente no sul da Itália, ainda que várias agências estejam encarregadas de fiscalizar as empresas. Giovanelli, da Anmil, diz: "As companhias sabem que a probabilidade de que venham a ser controladas é remota. É como uma loteria. O sistema é fraco e não existe coordenação".Uma indicação de como essa questão tem um impacto profundo é o fato de ela ter emergido nos últimos anos como um tema na literatura, no teatro e no cinema. A refinaria de petróleo onde houve o acidente fatal do mês passado foi o assunto de um documentário, "Petróleo", lançado em dezembro do ano passado, que levantou questões sobre a saúde dos trabalhadores na fábrica após uma morte ocorrida em suas instalações. "É uma questão de aumentar a consciência", afirma o diretor, Massimiliano Mazzotta.Pippo Delbono, ator e roteirista cujo filme sobre a tragédia da ThyssenKrupp, "La Menzogna" ("A Mentira") -, foi apresentado às plateias de Roma neste ano, chama as mortes no local de trabalho de "uma herpes nacional, uma doença que encontra-se profundamente enraizada na sociedade".A denúncia de uma gravidade incomum relativa àquele caso ocorreu depois que os promotores acusaram os gerentes da ThyssenKrupp de não se empenharem suficientemente no sentido de alertar sobre possíveis perigos na fábrica, que estava com prazo para encerrar as atividades. "O risco apresentou-se e o diretor optou por aceitar esse risco", disse por telefone Raffaele Guariniello, o principal promotor que atua no caso. Ele afirmou que havia recursos reservados para melhorar a segurança na linha de produção em que houve o incêndio, mas afirmou que isso não foi feito devido ao plano de mudança para uma nova fábrica em Terni.Em Turim, parentes das sete vítimas do incêndio da ThyssenKrupp participam das sessões do julgamento desde o princípio. "Sou capaz de entender que haja um acidente no trabalho, mas morte eu não aceito", afirma Teresa Rodino. Ela usa uma camiseta com uma foto sorridente do seu sobrinho, Rosario Rodino, um dos trabalhadores mortos. "Medidas de segurança melhores deveriam estar em vigor".
Tradução: UOL

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